sábado, 16 de agosto de 2014

Contemplação II

Aquela folha de Outono que pousou sobre nosso caminho, da mesma flor que se deixou levar pelo sopro do incógnito, perdeu-se na corrida dos crentes. Da cálida palavra que nos enternecia o rosto, só o silencio adveio como remédio da alma, cicatriz do ser humano. Não posso, por efeito, acrescentar mais do que uma eterna estima, um bem querer a renascer num futuro sem fervura.
Minha doutrina ensinou-me a partir quando nada, sem estima, nos permite ficar. Se minha entrega não diluiu a incerteza, nada mais poderia fazer do que partir, no meio do pó das tormentas.
Minha casa é a mesma de sempre mas o tempo não pára. A chuva de Abril já não me molha o rosto. A paisagem do incerto harpeja a esperança e meu corpo dança. Cuidarei de minhas palavras, cantarei o passado e regarei o futuro para sempre meu.
As palavras de ontem já se dissolveram nas palavras do poeta, que respira com saudade o que há para compreender. Conheço, com inspiração ofegante, os passos para o meu destino, verdadeiro retracto feito de ilusão.
Meu desejo é perder-me nas marés de sol que estarão para vir. Perder-me mais uma vez neste nosso futuro. Só o futuro sabe de nós. Nós só sabemos do presente e das promessas inconscientes, ocultas num olá.
Meu grito é eterno nas páginas brancas que me rodeiam.
Preencho a palavra com saudade, esperando o amanhã.


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Contemplação I

Diante meus olhos,
minha contemplação.
Meu tempo ido de olhar sereno, minha tarde perdida de nostálgica admiração. Sou a constituição mais pura das memórias que me percorrem. Sou constituído pelas lembranças e pela noção do que elas me descrevem.
Ainda ontem o passado chorava a meus pés. Gritava, ofegante, para que meus pensamentos não o encobrissem. Submerso por palavras e litros de ingenuidade pura, gritava como quem nunca, por aquelas águas, se tinha afogado. Sempre fui assim: rendido aos pensamentos e aos medos; rendido à sentença de viver na procura angustiante de compreensão.
Quem sou? Porque sou? Como sou? Em todas as dúvidas irrompia o verbo ser e de todas as respostas possíveis apenas uma me aprazia a verdade: eu sou. À minha existência só acrescentava o facto de viver com a consciência de que existia. O resto cingia-se à rotina. As horas de imaginação e de cantorias enchiam-me os dias. As tardes de alegria no pátio de sempre, aquele que ainda se retém intacto na minha memória, enchiam-me os medos e as dúvidas. Aí eu era, existia no auge da incompreensão, no auge da sorte inocente que me assistia. Do não querer mais do que mais um dia de sol. E existia, em plenitude, como só uma criança sabe existir.
Os anos passaram agarrados à simples vontade de crescer. Às incertezas do costume acrescentava mais umas quantas que me embalavam e me retinham o ser. Percorri todas as dúvidas, uma por uma, e a certeza ia fazendo sentido, dia após dia. Os receios adormeciam embalados pela fé do meu consciente que teimosamente teimava para que eles se aquietassem.
Eu cresci da dúvida. Só da dúvida eu conseguiria crescer. Aprendi a resolve-la como uma equação matemática que me foi dando respostas certas para a vida, meticulosamente colocada à minha frente em cada passo dado. Aprendi a sobreviver da auto-análise ansiosa que se agarrava a mim constantemente para que da sua vontade eu lhe retirasse uma conclusão. Da dúvida, da minha ansiedade nascia a minha consciência. Para muitos a incerteza disfarça-se em insegurança. Para mim a dúvida é um caminho para a certeza, na medida em que, graças a ela, nos tornamos mais certos, dentro da margem da nossa insignificância que nunca se extingue. Batalhei numa guerra de silencio durante toda a minha infância. Do silencio da rua, do silencio da escola, do silencio das sensações eu retirei minhas armas, guardando-as para o futuro das mentes cientes que se foi desvanecendo logo em seguida.
O outro nascia diferente a meus olhos. Um olhar distinto dispersava-me a monotonia dos dias de sol. Um olhar distante e persistente prendia-me na minha margem periférica.
A dúvida transportou-se assim em cabeça, tronco e membros. Visão de beleza humana, maravilha do ser idolatrado. Ânsia do eu que idolatrava no desejo mais simples de observação infinita. Paralelo ao desejo e ancorado às questões que me perseguiam em cada olhar desconhecido eu defini-me mais uma vez. Rasguei a realidade humana que a mim não me assistia. Firmei a minha certeza, questionando as leis do homem e a sua natureza. A minha natureza não reside no Adão e na Eva cristalizados, no fruto proibido que deu nascer ao mundo. De muitos nasce a recusa, como se uma fuga persistente lhes camuflasse a verdade. De mim nasceu a aceitação. O maior defeito é fugir. O maior defeito é correr numa corrente de mil fachadas carentes de sinceridade e de paz de espírito. O eu em crescimento fugiu dos seus medos para se encontrar comigo, com o eu que novamente se invocava perante a nova realidade.
A normalidade rompia em meu consciente procurando respostas para o ser dito modelar. As conclusões centravam-se nas vozes de quem ouvia. A verdade é que as minhas questões não se desviavam das questões do outro homem semelhante.
Da minha comodidade não nascia a compreensão, apenas ia nascendo com a maturidade e com o tempo de melancolia. Com estes processos aprendi que de pouco valia questionar a normalidade, descobrindo que muitas das questões que me alarmavam eram resultado da minha ansiedade vigilante, redobrada por mudanças afetivas.
Hoje sossego entendendo todas as minhas ânsias.
A ansiedade inata de um rapaz que nasceu inquieto e que procura a eterna contemplação.

domingo, 3 de agosto de 2014

Paisagem I

da paisagem eu vejo a grandeza dos sons de outono que se avizinham.
vejo a sombra perfeita que é delicadamente contemplada à luz dos nossos dias.
vejo o silêncio que me renova, aguardando que os caminhos da comoção se desfaçam para ver novos futuros, jovens amizades entoadas com a mesma nota antiga.
agora vejo a calma, canto a esperança entoada pelas sete correntes de fé
e comovo-me ao ver que da paisagem eu sou o mundo.