sexta-feira, 27 de junho de 2014

Eu, Ser

Deixar habitar o ser mais sintético de mim, dentro da calma que supostamente me contenta os dias, é deixar com que o peso da vida se desfaça sobre meus ombros. Ainda há quem acredite que isso aconteça semeando a esperança ilusória. A verdade é que, enquanto nos fazemos e desfazemos em momentos, a vida segue.
Tento ser
a perfeita contemplação do ser
que ambiciona ser
realizado.
Feliz aquele que com pouco se abstrai, emergindo na certeza que o caminho é embalado pelo impulso dos falsos desejos.
Retiro-me da sombra, nos dias de sol, para ver o mundo. Enterro-me no barulho do trânsito e na repetição dos sinais. Mesma estrada de sempre que não nos leva a nenhum lado.
Amanhã acordarei e poderá não ser dia mas voltarei a cantar e voltarei a sorrir com a certeza que, dos meus sentidos, eu sou verdade. Até lá, caminho na dúvida. Horizonte de linhas tortas, de contornos inconformáveis visto que sou mais um, impotente na corrida que nos leva a lado nenhum.
Quem se esconde na dúvida?
Sou certo na dúvida pois dela nada mais acrescento. Sou ciente da verdade pois sei que da minha realidade evito mais um tormento. Sigo o que sou com a mesma certeza que existo. Hábito em sentimentos, ideias, pensamentos que a mim são certos. As perdas, as conquistas fazem de mim vida.
Sou a favor da expressão: ‘Nada se perde, tudo se transforma’. Não retiraria desse processo de transformação todas as dores, as saudades, as angústias. São elas que dão vida e sentido a essa mesma transformação, por isso fazem parte.
A dúvida é constante na sombra que me acompanha. Eu sou a dúvida e o medo. Sou a certeza anulada perante a vontade de ser melhor. Por isso deixo-me ser quem sou. Humanamente imperfeito. Sou assim. Deixo que o meus instintos me guiem os pensamentos. Aceito a transformação como processo de crescimento. Crescemos com a mudança. Agradeço todas as mudanças que resultem na maturação pessoal.
Carrego em mim a certeza dos dias de sol. Deixo a minha sentença corroer a realidade. Questiono tudo, curioso pelos sentimentos que, pela primeira vez, me assumem. Tamanha admiração pelo homem e pela vida.
Deixo fluir-me sendo feliz na lucidez das minhas circunstâncias.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Sigo

por detrás do vidro gélido,
por detrás da ferrugem que recita o movimento,
eu sigo.
oculto num vagão de Comboio,
perdido entre as montanhas do norte,
eu sigo…
…sigo para não voltar.
viagem matriz a ser feita
quando só ruinas se defrontam na terra prometida.
deixei a minha parte:
olhei, sorri, amei, chorei e sofri.
a primeira vez.
ecoam as palavras quentes
no frio do costume, preso nas mil e uma razões.
sigo sozinho no vagão,
acompanhado somente pela alvorada fria,
pelo mesmo ruído constante que me relembra
a monotonia.
viagem da alma feita de passageiros, de passagens,
de vidas que me alentam num entra e sai persistente.
e eu permaneço sentado, entregue ao meu fado.
pensava que um dia te sentarias a meu lado.
seria bom mirar a paisagem da nossa viagem.
meus olhos, os teus… que viagem intensa e bela.
seriamos peados pelas linhas férreas do destino.
agora volto à viagem do silêncio.
o motor a carvão empurra-me para o incerto.
e tu saíste! saíste antes de atravessarmos
a ponte do fim.
voltarei,
voltarei à mesma casa de sempre.
aquela de onde partiram teus olhos,
de onde se cortaram as palavras mal ditas
com a fervura da mágoa.
guardemos essas palavras no infinito.
deixemos de parte as mil canções que falavam do pôr-do-sol.
atiremos pela janela as dezenas de fotos que não tiramos,
as noites de verão que não passamos juntos,
as fugas, as discussões e as horas de reconforto que genuinamente nos prendiam.
para seguirmos unidos, quem sabe… de uma outra forma.
a viagem segue a todo o vapor.
não sei quantas paragens me reservam,
quantos sorrisos ou solavancos me estão destinados.
e eu sigo.
eu sigo,
eu sigo como sempre.
presenciando o monótono embalo universal.
“Cada um viveu tanto quanto amou.”
Lev Tolstoi


sábado, 14 de junho de 2014

Meu Jardim

espera meu jardim, cuidarei de ti até à próxima Primavera.
deixarei as flores crescer. deixarei o teu sorriso entrar na minha casa. deixarei a tua cor invadir a minha sombra.
pelo caminho dancemos, cantemos como loucos.
percorramos as ruas de Lisboa como se estivéssemos na Broadway, atrás dos nossos sorrisos de criança, atrás dos holofotes imaginários.
tão simples o meu balanço em teus passos. tão livre e pura a mudança das horas enquanto te refego, meu jardim.
amanha já não estaremos longe. entregarei meus pesadelos ao passado e regarei toda a nossa saudade com brandura, para voltarmos dançar, ao som dos mil ventos do norte.
que, com a água das tempestades se germinem as mais belas flores,
para podermos colhe-las na nossa memória.
que se semeiem novas alegrias,
para que o sol de verão amorne nossas folhagens.
e que em teus olhos encontre a mais bela planície,
para a percorrer em alegre momento.
se o inverno nos pesa, cantemos.
se a chuva nos enfada, dancemos
até que a Primavera chegue com a calma dos seus dias,
até que a nossa paz se conjugue,
até que os nossos sonhos se cultivem com a semente das novas esperanças.
aí serei novamente liberdade.
aí seremos o mundo,
meu jardim.
“All for love and a world well lost!”
W.E.