sábado, 29 de novembro de 2014

14.

entra, senta-te junto a mim e fala.
por onde te perdeste no passado inverno?
queimaste todas as palavras de contentamento ao ouvir-me cantar.
escapaste dos ventos e os desejos ruidosos na calha da melancolia.
entraste a correr e fugiste do doloroso aparato dos holofotes
na selva onde a fuga se previa, imediata, sem precedentes,
condenada ao barulho que a fazia crescer.
enlaçaste teu caminho na porta mágica do desconhecido.
apertas-te o punho, rasgaste a dor da tempestade que te encobria,
corroeste a memória, maltrataste o desejo.
melhor se canta no silêncio.
santas foram as notas que te acompanharam
no inverno desconsolador que te despiu.
primavera sem sabor, a secura fez-te distante.
o mundo ficou esquecido da cor como um filme a preto e branco retalhado.
paravas, olhavas lá no fundo e pensavas, sentias,
ruminavas a exausta dor até fazeres da canção um oco sentido.
desocupado sol que te escaldava,
o nada era frenesim
e o ruído do costume tua vigia.
atreveste-te a correr, a ignorar,
de nada serviu,
nada te levou para o destino porque estás preso ao caminho da vida
que só se faz caminhando.
descalço outono da mudança,
a cor nasceu das tuas folhagens secas.
houve um novo caminho que se ergueu como um castelo.
grão ínfimo composto pelos instantes em que te reconstruías.
o inverno voltou.
congela mas não resfria a meta que se fortalece.
vais sair pela porta harmonizado,
calmo, num traço de luz qua marca tua presença,
onde o vento ecoa mais alto que a tempestade.
aprendeste tua lição ao teres cá entrado,
irrequieta criança,
saís daqui mais sabedora.

sábado, 15 de novembro de 2014

Silêncio II

havia uma história para contar,
mais umas quantas estrofes que ficaram por escrever
num poema escrito à pressa.
havia um pôr do sol a ser tocado,
uma brisa a ser partilhada que velejava
ao som do mar, entre os raios que subsistiam.
havia o barulho da cidade que embalava,
umas mãos que se davam,
livres a saltar para a corrida.
havia a sombra,
o medo acompanhado pelo riso
de umas quantas piadas mal contadas.
havia um olhar que compreendia,
que amparava,
e o mar mirava ao fundo
com olhos de confidente traiçoeiro.
havia uma promessa não vivida,
uma expectativa não cerrada
e o medo era o guia.
silêncio.
resta uma lembrança fabricada,
numa palavra fulgente.
um plano de veleiro,
navegante sem rumo.
uma viagem pelo tempo dos
que já não acreditam na pressa.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Onde és?

minhas mãos estão presas ao barulho da tarde,
vivem na delicadeza das horas.
ao fundo ressoa o piano e
com ele se elevam as melodias de ontem,
aquelas que recordam a praia
que se desfazia no olhar.
neva o sol ao fim da tarde,
caí a lua carente e o frio nos retrai.
a terna planície imaginada foge,
urge à luz da inquietação.
dentro de mim acordas
numa alvorada insensata,
porém, hoje, és delicada.
a calma vê seus dias
e o riso dança noite fora
na folia da mocidade,
até de manha.
o tempo para ouvir me acompanha
e com ele me atento ao que me rodeia.
percepções,
sentidos apurados em toda a extensão
numa saborosa caminhada pela vida.
ainda assim tento completar-me com a compreensão,
mas não há entendimento que se remate pelos factos,
sem haver uma emoção nos toque.
meu sorriso brando
de olhos incógnitos enternecidos,
onde és?

“The greatest thing you’ll ever learn
Is just to love and be loved in return”

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Caminhando

há uma palavra imobilizada em cada livro lido,
em cada música que aquece,
perdido numa tela de cinema,
num jornal engelhado,
numa rua longínqua
onde só a memória subsiste.
há um rastilho de história não vivida,
um momento,
no tempo,
um silêncio não cantado
na respiração vazia,
uma porta que se encerra
num sorriso que se esconde à pressa.
há uma promessa que se nega,
uma carta sem destino,
um desejo,
mil contractos,
uma sentença de solidão
e mais dez mil receios que se abraçam.
há um silencio que se enfada na corrida,
na sede de viver,
uma chuva descalça sobre a calçada,
um olhar no adeus,
uma tempestade soalheira na tarde despida,
que caminha silenciosa sobre a corrente.
há um eu,
caminhando.