segunda-feira, 25 de abril de 2022

Nova Casa

    Libertar do lugar e da planície soalheira, quando as mãos se confundem, é ressaltar o adeus desleixado das emoções. O jardim conspira minha despedida e a ampla casa de sonhos, quase ensoada pela luz de fim de tarde, aguarda sempre meu retorno.  
    Cultivo a norte, semeando a vontade em dose certa. Espera-se uma morada bem podada, uma saudade bem regada e sem desidrato. Crescem flores com expectativa e seu fruto é meu novo lugar. Nova casa. Abraços diferentes, novas vozes, olhares devolvidos. 
    Sigo com medo que a fome se faça e que a minha reza seja ouvida pelo divino da desgraça, mas observo a solidão para fugir de seu fim e percorro confiante este dia pintado de fresco. A novidade abriu portas para me receber, acomodo-me delicadamente para lhe pertencer.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

M

    As paletas estão sujas com restos de tinta, já inútil. Aqui pinta-se sem se conhecer o destino do pincel. Os cadernos estão atestados de palavras repetidas, ideias soltas, folhas rasgadas. Cadernos amontoados, engelhados - objetos vagabundos afeitos ao desejo.
Por todo o quarto há vestígios desse anseio de escuta. A cama mal feita denúncia a memória. É deixada ao abandono todas manhãs. O abandono é comum nesta cama, neste quarto, nesta casa. As gavetas estão desarrumadas. A mente desarrumada. Este quarto denuncia-me.

    As noites repetem-se maioritariamente frias. A janela antiga, torsa, teima em fraquejar no seu isolamento. Assim como eu. Também teimo em fraquejar. O teclado, omisso a um canto, é bom servente. Amontoa o pó da repetição dos dias e já se queixa da força dos meus dedos. O chão do quarto é palco para as danças, para as caminhadas circulares infinitas, para os fios entrelaçados da maquinaria, que se abraçam constantemente. 

    O quarto mudou. Transfigurou-se para norte. As paredes mudaram a sua dimensão, assim como as janelas, assim como a cama que continua mal-amanhada. Parece que tudo mudou, mas tudo se manteve. Os cadernos continuam a ser vagabundos, tristes escravos das minhas ideias. A curiosidade pinta de novo a folha em branco, suja de novo a paleta das ideias. Palavras repetidas, ideias soltas, folhas rasgadas. 

terça-feira, 12 de abril de 2022

Ficção

Encurtamos caminhos e na janela dos maus destinos há quem venda o acaso à encenação. 

A viagem encurta-se numa e outra rotação e a simulação de gestos, o engodo dito em coragem,

pinta-nos o espirito num tom de mentira.


Ida repetida onde a distância da comparação não mora, onde a verdade é plantada ao engano e o prazer é carta repetida. 


Esta ficção bem creditada nutre a existência fabricada, dissimulando o seu alimento.

 






domingo, 3 de abril de 2022

sábado, 2 de abril de 2022

Clarividência

Entra, prende-me, enfrenta o que há em mim de ruínas, com essas feridas desejosamente vendidas ao ornamento. 

Que desalento… o amargo não guarda surpresa e a doçura desidrata de encanto. Sou, no entanto, meu credor de sentimentos. 


Umbral entrevisto que deixa em meu fundamento as pisadas de quem se reconhece. Uma dança enterlaçada com a verdade. 


Imo visto, reposto sentido. Minha palavra desconhece meu tom previsto. Desejo-me revelar, no meu puro desejo, objeto de clarividência.