quinta-feira, 25 de junho de 2020

Descontentamento

Este tom que guardo na memória da passagem dos dias, por entre as gaiolas humanizadas que se perfilam por estas terras enfeitadas de cimento, é a duplicação do meu descontentamento. A liberdade nos seus fracos dias devolve-me o ressoar dos afogos, dos dias feridos, das alvoradas feitas de inferno.
Uma febre que não se excita pela doença, mas que se reforça com a feroz arte do não afeto, dos abraços não dados, dos sorrisos amordaçados, nesta sátira que é ser-se frágil. Desconfio da marcha dos amantes, do olhar com travo a menta que insiste em nos toldar com a sua novidade. Os dias frios não me julgam. Este lugar estático e habitual já tem traço de excelência. Círculo perfeito que ganhou jeito em seu decalque. Há um momento desconhecido, vivido, mas não trivial onde a forma do desejo é ilegível. O simples toque é exultação, o beijo é um samba sem melodia e o olhar é um vendaval. Estas vontades feitas de barro são um paraíso que nos recria e o mundo converte-se em cenário.
Destes sons não oiço eu festa. Desse ritmo que nos arranca do nosso íntimo cativeiro. Sou a obra prima por escutar, sou a escultura tosca que teima em se empelouricar no mais alto beiral para poder observar a gana que nos assiste. Esta obra rara e mal acabada está empoeirada pelo tempo, pela escassez na contemplação, no olhar que vê e não pertence. O fantoche que dança manipulado pela calçada. Assim são as emoções de quem persiste nesta sede, devoto na loucura das sensações, mas dependente delas.