sábado, 6 de abril de 2024

Loucura

Ouve-se um rumor de que há loucura,
Estilhaço de vozes que anuncia.
O silêncio queima, a confusão perdura,
Escultura tão inocente e fria.
 
No rosto sereno não se afigura
O grito encoberto da melancolia. 
A noite é clara, a tarde obscura,
Clausura de bruma pálida e vazia.
 
Bela feição que não recusa
A longa espera da inconsciência. 
Corpo dormente, a fatiga acusa 
A intrusa sorte da decadência. 


Giovanni Strazza "La vierge voilee" | Исторические фотографии, Мраморная  скульптура, Скульптура бернини
(La Vierge voilée, de Giovanni Strazza)

sábado, 23 de março de 2024

Por mais um século

Fomos abandonados pelo excesso 
e no seu desgosto resta a sombra das árvores 
que não se inquietam com a multidão. 
 
Um homem espera o hábito
e, com uma pedra na mão, 
afugenta o silêncio. 
 
É apenas uma verdade distraída,
que caminha entre as ruínas
da propaganda inabitável.  
 
Essa casa vazia não se transforma em afeto. 
Existe uma falta absurda,
uma insónia persistente e fria.
 
Insólito? Não. 
Não julgo o espelho quando há cegueira. 
A ignorância de cabeceira tem vida curta. 
 
É irremediável este sono profundo.
O homem que adormece no caos, 
adia-se por mais um século. 

sexta-feira, 1 de março de 2024

Celebração

Nesta terra já não existe vida. 
Existe a morte e o seu contrário. 
Oposta ao sol, cuidar é ferida
Num corpo que resta, solitário. 

Armadilha na celebração do herói
Que pesa, por estes dias, dissimulada.
Uma paródia de cinza que destrói 
A justiça, vezes mil sepultada. 

Amontoado fim, disforme e pestilento.
Cobre as sobras com a justificação.
A verdade não se dá em alimento.
Falta fome de vida, celebração. 


sábado, 27 de janeiro de 2024

(Des)construção

Mais uma prosa com atraso e negação. Estou perdido no dilema repisado que recorta os dias. Uma estreita composição de rotina que se atenta pela noite, no repouso de mais uma volta. Adorno de medos que nutrem a lucidez. A vida tornou-se mais curta e a minha prosa mais reclamada. 
Anseio a extensão da calma para a satisfazer com promessas e pensamentos soltos. Uma composição desocupada de verso e disposição. A incoerência na forma. Uma frente sobrepujada ao lamento de uma vida. O sabor da serenidade que se dedica às horas mais teimosas. 
Anseio a melancolia com as suas manias. Estática. Composta pela cisma e com saudade do movimento. Com passo lento e penoso para refazer as tardes onde não se privam os silêncios. Compor o dia por momentos de total consciência. A sombra que muda, a nuvem que visita...
Anseio o descompasso onde o pensamento cabe com mais nução. Poder pensar sem prazo, pensar lentamente. Adormecer este entretém da mente, justificado pela construção do adulto e da imagem esperada. Desejo, assim, poder evitar a responsabilidade da minha existência. 

sábado, 9 de dezembro de 2023

Acha-me

Acha-me no silêncio das distâncias e atenta-me somente em figura. Nesta arte do abandono que se alimenta do seu próprio deserto, do nada, nas noites mal iluminadas. O escuro que sossega, mas que afronta. Um ponto de prosa arqueado para o abismo. Um pensamento cismo defronte da batalha e dos seus fantasmas. 

Acha-me nos dias frios, mas preserva-me da desgraça. Da sombra que aquece e embeleza sua armada caça. Uma farsa voltada para o costume da sorte. Um presságio que se aguça. Uma golpada de mestre e um coração partido. A dor da promessa e da morte.

Acha-me no espírito e inventa-me em todas as cores. Nesta devota ferida que em credo se rende. Uma armadilha plantada que suplanta qualquer sentido de certeza. Perdida natureza das ideias que se dissipam com o corpo. Inútil paisagem que prospera através da contemplação. 

Acha-me e transcende-me. Continua-me...