sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Condenação

Quanto vale a consciência num plano imediato,
Se só nos calha respirar o passado na obra do destino?
Para que serve o extrato da dor na renovação de cada ato,
Se o desenlace da forma é justificado pelo divino?
 
Neste cúmulo rochoso recebo a condenação:
A perceção rasga apenas uma linha de sombra transitória
E um apêndice de sentidos que me consagra esta agitação.
Sou, tal como estas pedras, um amontoado de memória.
 
Formo, no meu todo, menos valor do que esta paisagem 
Porque a sua configuração não se ilude no conhecimento.
Era feliz em pedra, uma bruta coisa sem linguagem
E o meu fim não se cruzaria com o pensamento. 

domingo, 27 de julho de 2025

Ato de movimento

Quero-me num ato de movimento
Tão delicado e efémero que transbordo
Toda a minha presença num fragmento
De memória, onde escrevo e acrescento. 

Uma centelha que rasga em agitação
Toda a minha vontade de florescer
Para lá do fim de mais uma estação
De breve história e lá permanecer.

Intento na liberdade de poder significar
Toda a minha versão de existência
E, através da regra da prosa, revelar
A trajetória da minha consciência.

domingo, 20 de julho de 2025

Souvenir

Vim pela sombra e seu contrário,
Para este lugar comum do medo.
A extinção é despacho incendiário,
É aflição que valida o meu degredo.
 
Ando nervoso com a ideia do fim, 
Passo a vida em ser desconfiado.
Devir que não pertence a mim,
Inabilidade a contemplar o passado.
 
Sou a imagem com esboço de ideia:
Entre mais um ente e seu funeral.
É triste o adeus que nos permeia,
Souvenir para vivos num dia normal.
 
O entendimento é mais furtivo
Para os que deliram a sua condição.
O saber do ciclo faz-me negativo,
Nesta trama de lúcida configuração.   

sábado, 26 de abril de 2025

Cinza

Eis o que sobra na despedida: 
a ausência da flor em chão desfeito;
a mão que se perde na longa descida;
o eco do tempo e a raiz do seu feito.
 
O corpo é oculto no vão da partida
e o peso que resta perde o seu direito.
A pele do mundo reclama a ferida
e o avesso da alma dilui o defeito.
 
Esta cinza nada semeia:
só o silêncio conhece
todo o fim que se nega e padece.   

sexta-feira, 25 de abril de 2025

A organização do abismo

Bruta paisagem que desalinha,
rompe em cada traçado lento, 
a terra crua e o céu tormento,
num sulco que rasga e adivinha.

É simples na forma criada,
no gesto que sonha a curva,
na lembrança que dobra turva
o desejo de habitar cada chegada.

O desenho é abismo:
um silêncio de memória cheia.
Faz do gesto nova ideia,
tão constante mecanismo.

E ali, há desacato na dureza: 
Bela organização do infinito.